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segunda-feira, 3 de maio de 2010

ALBERT CAMUS










2010 é o ano do cinquentenário de morte do escritor franco-argelino Albert Camus (1913–1960). Talento reconhecido em todo o mundo, Camus é um dos mais representativos escritores do século 20. Nascido em uma família pobre na cidade de Mondovi, na Argélia, então colônia da França na África, teve uma vida sacrificada e dura. Perdeu o pai (francês) quando tinha menos de um ano de idade, vitimado em uma batalha da 1ª Guerra Mundial. Foi criado pela mãe (espanhola), que não sabia ler nem escrever, e uma avó extremamente austera, em meio a uma condição que contemplava apenas as necessidades essenciais de sobrevivência, num subúrbio da capital Argel. Graças à ajuda de um mestre (Jean Grenier) graduo-se em Licenciatura em Filosofia, mas quando estava prestes a começar a docência contraiu tuberculose.

A doença o acompanhou o resto de sua breve vida e a frequente ameaça de morte o marcou profundamente, refletindo de maneira significativa na sua visão de mundo e na literatura que proferiu. Camus faleceu aos 47 anos em um acidente de carro, no sul da França. Entre seus livros mais conhecidos estão: O Estrangeiro, escrito em 1942 e traduzido para mais de 40 línguas; A Peste, de 1947, e A Queda, de 1956. Particularmente, destaco ainda na obra do vencedor do prêmio Nobel da Literatura de 1957 O Homem Revoltado.

Em O Estrangeiro, Camus nos deu uma história tensa, dura, intensa. Como era próprio no autor, é marcante o sentimento existencialista do personagem principal, sua solidão, dúvidas e o quase surrealismo de seus conflitos. Ainda que o livro seja uma obra de ficção, o personagem é inerente ao escritor, com a clara proximidade entre seus pensamentos e valores em relação à sociedade em que vive. A Peste é uma alegoria da guerra e da ocupação nazista e, mais amplamente, da condição humana, através da descrição de uma cidade ameaçada pela epidemia. Em O Homem Revoltado a reflexão existencialista acaba por descobrir que só revoltando-se pode o homem dar sentido a um mundo dominado pela “completa ausência de sentido”. “O absurdo é a razão lúcida que constata os seus limites... Não espere o juízo final. Ele realiza-se todos os dias”, são frases que marcam bem o pensamento do escritor.

Albert Camus questionou, em sua obra, assuntos com os quais seguimos nos debatendo. O escritor não queria ser apontado como um filósofo, mas filosofou sim - e muito -, imprimindo admirável comprometimento com a busca de um caminho ético na existência humana. Camus procurou sempre o real sentido da vida e o grande valor do agir nos indivíduos. Expôs as inquietações fundamentais da condição humana e os delineamentos de um itinerário humanista conciliado à experiência cotidiana da dignidade.

Até mudar-se para a Paris, onde começou a fazer parte da resistência contra os nazistas e fundou o jornal clandestino “Le Combat”, Camus viveu na Argélia. Apesar das dificuldades econômicas impostas pelo colonialismo, sua terra natal lhe extasiava com suas belezas naturais, seu romantismo, e a poesia que brotava de sua gente mestiça. Apaixonado pelo céu, pelo mar e pela exuberância feminina, Camus se deleitava ao ver as mulheres a amassar os absintos. Em seus romances a Argélia resiste insistentemente como uma bela e sedutora paisagem de fundo.

Enquanto jovem, o escritor foi o goleiro da seleção universitária. Conta-se que um bom goleiro. Um dos fatos que mais o impressionou quando da sua visita ao Brasil, em 1949, foi o amor do brasileiro pelo futebol. Tanto que uma das primeiras atitudes que Albert Camus teve ao pisar no Brasil foi pedir para que o levassem para assistir a um jogo. E seu amor pelo futebol o acompanhou por toda a vida. “O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem, devo ao futebol”, costumava dizer Camus.

Recentemente, por conta do cinquentenário de morte do escritor, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, acabou por lançar uma grande polêmica no país ao propor a transferência dos restos mortais de Albert Camus para o Panthéon, monumento em Paris onde já se encontram os mausoléus de célebres personagens da literatura francesa, entre eles Voltaire, Rousseau, Victor Hugo e Emile Zola. Para os críticos, a proposta de Sarkozy é uma tentativa de apoiar-se politicamente do legado de Camus, que é uma figura mítica da esquerda francesa. Parece que a tentativa do presidente francês não sensibilizou os filhos do escritor, os gêmeos Jean e Catherine, que acaba de publicar o livro Camus, Mon Père (Camus, meu pai), ainda sem tradução para o português.

 " Nasce então a estranha alegria que nos ajuda a viver e a morrer e que, de agora em diante, não recusamos a adiar para mais tarde. Na terra dolorosa, ela é o joio inesgotável, o amargo alimento, o vento forte que vem dos mares, a antiga e a nova aurora. "


“O que é, com efeito, o homem absurdo?
Aquele que, sem o negar, nada faz pelo eterno”.
 Albert Camus por Jean-Paul Sartre




(Escrito um dia após a morte de camus)

Camus era uma aventura singular de nossa cultura, um movimento cujas fases e cujo termo final tratávamos de compreender. Representava neste século e contra a história, o herdeiro atual dessa longa fila de moralistas cujas obras constituem talvez o que há de mais original nas letras francesas. Seu humanismo obstinado, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate duvidoso contra os acontecimentos em massa e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela teimosia de suas repulsas, reafirmava, no coração de nossa época, contra os maquiavélicos, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do fato moral. Era, por assim dizer, esta inquebrantável afirmação. Por pouco que se o lesse ou refletisse a respeito, chocávamos com os valores humanos que ele sustentava em seu punho fechado, pondo em julgamento o ato político.

Inclusive seu silêncio, nestes últimos anos, tinha um aspecto positivo: este cartesiano do absurdo se negava a abandonar o terreno seguro da moralidade e entrar nos incertos caminhos da prática. Nós o adivinhávamos e adivinhávamos também os conflitos que calava, pois a moral, se se a considera, exige e condena juntamente a rebelião. Qualquer coisa que fosse o que Camus tivesse podido fazer ou decidir a sua frente, nunca teria deixado de ser uma das forças principais de nosso campo cultural, nem de representar a sua maneira a história da França e de seu século.

A ordem humana segue sendo só uma desordem; é injusta e precária; nela se mata e se morre de fome; mas pelo menos a fundam, a mantêm e a combatem, os homens. Nessa ordem Camus devia viver: este homem em marcha nos punha entre interrogações, ele mesmo era uma interrogação que procurava sua resposta; vivia no meio de uma longa vida; para nós, para ele, para os homens que fazem com que a ordem reine como para os que a recusam, era importante que Camus saísse do silêncio, que decidisse, que concluísse. Raramente os caracteres de uma obra e as condições do momento histórico exigiram com tanta clareza que um escritor viva.

Para todos os que o amaram há nesta morte um absurdo insuportável. Mas, teremos que aprender a ver esta obra truncada como uma obra total. Na medida mesmo em que o humanismo de Camus contém uma atitude humana frente à morte que havia de surpreendê-lo, na medida em que sua busca orgulhosa e pura da felicidade implicava e reclamava a necessidade desumana de morrer, reconheceremos nesta obra e nesta vida, inseparáveis uma de outra, a tentativa pura e vitoriosa de um homem reconquistando cada instante de sua existência frente à sua morte futura.

JEAN-PAUL SARTRE

EU RECOMENDO:
ALBERT CAMUS

                                                                       1913-1960